COMENTARIO A JURISPRUDENCIA - FGTS E OS DANOS MORAISPor Camila Carvalho Fontinele (OAB/DF 29.904) em 04/05/2020 - Comentários Jurisprudenciais

 

Acórdão da Primeira Turma do TRT da 10 ª Região

Publicado em 27.04.2020

Relator Desembargador Federal DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO

 

 

PROCESSO n.º 0000616-65.2019.5.10.0111

RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA (1009)

RELATOR : DESEMBARGADOR DORIVAL BORGES

RECORRENTE: IZAILDI ROCHA SILVA

ADVOGADA : DAIANE DAISY OLIVEIRA RAMOS - OAB:DF0041103

ADVOGADO : CARLOS HUGO DA SILVA FILHO - OAB:GO0036147

RECORRIDO : DELTA SERVIÇOS EDUCACIONAIS LTDA - EPP

RECORRIDO :AEJK - ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL JUSCELINO KUBITSCHEK

RECORRIDO :DIREÇÃO SOCIEDADE EDUCACIONAL LTDA

RECORRIDO :PROSPERA SOCIEDADE EDUCACIONAL LTDA- ME

ADVOGADO : WANDERSON PEREIRA EUROPEU - OAB:DF0037261

EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DOS DEPÓSITOS DO FGTS. A absoluta ausência de recolhimento dos depósitos do FGTS contamina de ilicitude a conduta patronal, a qual afeta o patrimônio imaterial do empregado, ficando caracterizado o dano moral passível de reparação mediante a indenização respectiva.

 

                            (1) O julgado desperta singular atenção pois retrata a possibilidade de uma omissão empresarial, materializada no descumprimento de uma obrigação legal, ocasionar a obrigação de reparar tanto o dano patrimonial provocado (falta de recolhimento dos depósitos fundiários) quanto o dano moral acarretado com a frustação e a quebra injustificada de uma legítima expectativa do empregado.

 

                            (2)  A quadra fática desenhada nos autos revela que o  Reclamante pleiteara indenização por danos morais, ao fundamento de que as Reclamadas, no decurso temporal de vinte anos,  não realizaram, apesar da obrigação legal,  o depósito do valor total do FGTS e da multa de 40% do saldo do FGTS, revelando total descaso que prejudicara o obreiro financeira e moralmente.

 

                            (3)  O juízo de primeiro grau julgara improcedente o pedido exordial de indenização por danos morais ao fundamento de que a “ausência de recolhimento do FGTS é lesão de natureza patrimonial, não se tratando de lesão à honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer ou a integridade física”.

                            (4) Irresignado, o Reclamante interpusera recurso ordinário, aduzindo que a “ falta de pagamento do FGTS tira do trabalhador a capacidade de prover suas necessidades básicas”, o que ensejaria a reparação por danos morais em decorrência da conduta ilícita empresarial (artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro),  pleiteando, dessarte, a reforma do julgado, com o deferimento de indenização por danos morais no importe requerido de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

 

                            (5)  Segundo o voto do I. Relator Desembargador Federal do Trabalho DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO,  o entendimento da amplitude da  natureza jurídica do dano moral tem evoluído, na doutrina e na jurisprudência, assentando a ideia de que o “conteúdo do dano moral” se referencia ao “estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa”, restando identificado “com a dor, em seu sentido mais amplo, englobando não apenas a dor física, mas também os sentimentos negativos, como a tristeza, a angústia, a amargura, a vergonha, a humilhação”.

 

                            (6) A moldura fática incontroversa assentada revela que, no caso debatido nos autos, “não houve recolhimento de FGTS desde janeiro de 1997”, sendo julgado procedente o pedido exordial primeiro de condenação das Reclamadas no recolhimento na conta vinculada do Reclamante dos valores devidos a título de FGTS.

 

                            (7) Com a maestria jurídica que lhe é habitual, o Nobre Relator do recurso reconhecera não se tratar de ausência eventual e esporádica de recolhimento de FGTS, mas uma contumácia empresarial que perdura por quase vinte anos, ressaltando que em razão da dispensa ocorrida por demissão sem justa causa por iniciativa empresarial, o Reclamante se viu impedido de  levantar os valores do FGTS e da multa de 40%, quebrando, injustificadamente, uma legítima expectativa contratual que fora gerada, em razão do contrato de trabalho.

 

                            (8) O FGTS é um direito fundamental e social constitucionalmente assegurado e de interesse duplo:  do trabalhador e do próprio Estado, pois, enquanto o saque não é disponibilizado para os trabalhadores, o saldo na conta fundiária é utilizado em financiamentos de moradia, obras e saneamentos, dentre outros projetos públicos. O não recolhimento do FGTS lesa duplamente o empregado e a entidade estatal, pois ambos se veem privados dos recursos do fundo em momentos distintos.

 

                            (9) A privação do usufruto do fundo de garantia representa, neste aspecto, flagrante violação a direito fundamental, caracterizadora de dano patrimonial e de dano moral, que, nesse caso, prescinde de prova, uma vez tratar-se de "damnum in re ipsa",  porquanto a mera prática do ato ilícito -  não recolhimento do FGTS - evidencia a ofensa moral vivida pelo trabalhador e justifica a devida reparação do prejuízo sofrido pela condenação ao pagamento dos danos morais.

 

                        (10) Nessa ótica, o não recolhimento do FGTS indica a ILICITUDE DA PERMANENTE E HISTÓRICA CONDUTA EMPRESARIAL que, em razão de se beneficiar da própria torpeza,  ao se furtar cumprir a obrigação legal de recolher os depósitos fundiários, atingira o patrimônio imaterial do Reclamante, empeçando o exercício pelo empregado de um direito constitucionalmente assegurado.

 

                        (11) É preciso frisar, por acuidade, honestidade e zelo,  que a jurisprudência do próprio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região é oscilante, deixando antever que o simples não recolhimento do FGTS não enseja a reparação de danos morais, quando não for devidamente comprovada a violação ao patrimônio imaterial do empregado:

 

PROCESSO nº 0000130-44.2018.5.10.0102 (RO)

RELATOR: DESEMBARGADOR RICARDO ALENCAR MACHADO

RECORRENTE: LUCIA DE LOURDES MENDES FRANCO

RECORRIDO: MARIA DAS DORES BEZERRA CHAGAS

EMENTA: ASSINATURA DA CTPS. PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. RECOLHIMENTO DE FGTS. DESCUMPRIMENTO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Sem comprovação de ofensa ao patrimônio imaterial do trabalhador, sofrida em razão do inadimplemento de verbas rescisórias e da ausência de assinatura da CTPS e do recolhimento do FGTS, indevida a indenização por danos morais. Precedente do TST.

 

PROCESSO nº 0002451-57.2016.5.10.0802 (RECURSO ORDINÁRIO (1009))
RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ LEONE CORDEIRO LEITE

RECORRENTE: SELVINO PEREIRA DA SILVA NETO
RECORRIDO: VIBELLA INDUSTRIA E COMERCIO DE IMPLEMENTOS RODOVIARIOS LTDA - EPP

EMENTA: (...) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEPÓSITOS DE FGTS. NÃO CONFIGURAÇÃO. Para a configuração dos danos morais, é necessária a conjugação de três elementos: conduta culposa, dano patrimonial ou extrapatrimonial e nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Ausente um desses requisitos, não há falar em pagamento de indenização por danos morais. Recurso ordinário do Reclamante conhecido e parcialmente provido.

                        (12) Todavia, ancorado em precedentes do próprio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, a Primeira Turma, examinando o colorido especial do  caso – ausência contumaz de recolhimento de FGTS por vinte anos – reconhecera que a conduta ilícita empresarial afetara, ao mesmo tempo,  o patrimônio material do empregado, ensejando a condenação empresarial no recolhimento dos depósitos  fundiários, e o patrimônio imaterial, lesando a legítima expectativa criada no empregado e submetendo-o a inesperada  decepção e a consequente revolta desgastante:

 

PROCESSO nº 0000664-85.2018.5.10.0102 (RECURSO ORDINÁRIO (1009))

RELATOR: JUIZ ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JUNIOR

RECORRENTE: BONASA ALIMENTOS S.A. - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

ADVOGADO: RUBEM MAURO SILVA RODRIGUES - OAB: DF0031251

RECORRIDO: IREMAR SOUZA DO NASCIMENTO

ADVOGADO: WANDERSON PEREIRA EUROPEU - OAB: DF0037261

EMENTA: 1. DANO MORAL. MORA SALARIAL. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE FGTS. Comprovadas nos autos a mora salarial contumaz e a falta de recolhimento de FGTS, não há falar da ausência de ato ilícito que ampare a condenação de indenização por danos morais. Considerando os parâmetros adotados pelo Judiciário para fixação das indenizações por dano moral em situações análogas à destes autos e observado o caráter punitivo e pedagógico da condenação na fixação da indenização por dano moral em patamar razoável, deve ser reduzido o respectivo valor. (...). Recurso conhecido e parcialmente provido.

 

PROCESSO nº 0000082-93.2015.5.10.0101 (RECURSO ORDINÁRIO (1009))

RECORRENTE: KAMILY GRAZIELI PEREIRA DA ROCHA,

SERVICO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO)

RECORRIDO: KAMILY GRAZIELI PEREIRA DA ROCHA

MGB SERVICOS PERSONALIZADOS LTDA – ME

SERVICO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO)

RELATOR: JUIZ GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS

 AÇÃO TRABALHISTA - RITO SUMARÍSSIMO

EMENTA: (...) 2.INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DOS DEPÓSITOS PARA O FGTS. DANO CARACTERIZADO. Os danos morais situam-se na esfera não-patrimonial do indivíduo e causam prejuízos de ordem moral, psíquica, na auto estima, na imagem, na honra do lesado. A ausência de recolhimento de depósitos para o FGTS por sete meses implica grave violação à honra da reclamante sendo, inclusive, motivo ensejador de rescisão indireta do contrato de trabalho, com o agravante de que em razão da omissão patronal na realização da rescisão contratual no momento oportuno importou em prejuízo ao recebimento seguro desemprego. (...) 7. Recursos ordinários conhecidos. Desprovido o apelo patronal e provido o recurso obreiro.

 

 

 

COMENTARISTAS:

Drª. Camila Carvalho Fontinele OAB/DF 29904

Dr. Evandro Bezerra de Menezes Hildebrand OAB/DF 32184

Dr. Marcelo Américo Martins da Silva OAB/DF 11776

Drª. Paula Ianuck Resende OAB/DF 43498

 

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