
Por Marcelo Américo Martins da Silva, Arthur Carvalho, Paula Ianuck, Karen Maryelle
Acórdão da Primeira Turma do TRT da 10 ª Região
Publicado em 07/10/2016
Acórdão
Processo Nº RO-0000403-17.2014.5.10.0020
Relator Desembargador - DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO
Revisor Desembargador - ANDRÉ R. P. V. DAMASCENO
Recorrente Wal Mart Brasil Ltda
Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP)
Recorrido Heverton Augusto Nunes da Costa
Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB: 17510-N/DF)
EMENTA: VESTIÁRIOS. VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. INVASÃO À INTIMIDADE. DANO MORAL. DIREITO À REPARAÇÃO E DEVER DE INDENIZAR. A Constituição Federal assegura em seu artigo 5º, inciso X, o direito à indenização em razão de violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. A legislação infraconstitucional classifica como ato ilícito toda ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que impliquem em violação a direito ou causem dano, ainda que exclusivamente moral, a outrem, obrigando o agente causador a repará-lo mediante indenização (CC, arts. 186 e 927). Conjugadas a norma constitucional e a legislação ordinária referenciadas, temos o suporte jurídico que autoriza a reparação de eventuais danos morais causados pelo empregador, ou seus prepostos, aos trabalhadores. O uso de câmeras de vigilância em vestiários e áreas de uso comum que causam a exposição dos empregados no momento das trocas de roupas e de outros atos da intimidade, expondo-os aos olhares dos empregados da fiscalização em trajes íntimos, caracteriza abuso do poder fiscalizatório, constituindo-se em conduta ilícita hábil a causar dano moral e psíquico. Impõe-se, então, o dever de reparação.
(1) O substrato fático consolidado da demanda denuncia a prática empresarial de executar “revistas físicas e visuais” em “bolsas, sacolas e mochilas” dos empregados, durante o interregno do contrato de trabalho, realizadas, indistintamente, por prepostos empresariais do “sexo oposto”, complementada pela instalação de câmaras de vigilância nas áreas dos vestiários.
(2) O juízo de primeiro grau condenara a empresa reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$5.000,00 (cinco mil reais).
(3) A lide recursal central instaurada pelo recurso empresarial volta-se a criticar a decisão primária ao fundamento de que os atos de revista física/visual e de vigilância permanente dos vestiários constituem “mero exercício regular do poder fiscalizador do empregador”, não ocorrendo a violação de nenhum patrimônio moral do empregado.
(4) A Constituição Federal consagrou como direitos fundamentais, dentre outros, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, nos termos do art. 5º, caput, e Inciso X [1].
(5) No horizonte normativo ordinário, a Lei 13.271/2016 dispõe, especificamente, sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho, estabelecendo por sanção a multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador.
(6) Aos olhos da referida lei ordinária, a noção de revista íntima tem sido definida como aquela que importe desnudamento da empregada com a inspeção visual e/ou tátil das partes íntimas.
(7) Assim sendo, o direito do empregador de velar, proteger, resguardar e zelar seu patrimônio (direito de defesa e conservação do empreendimento) é limitado e se submete aos princípios fundamentais e garantias individuais que configuram e estruturam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
(8) Noutros termos, o exercício legítimo do direito empresarial de defesa e de conservação do empreendimento não pode afetar a intimidade, a privacidade, a honra ou a imagem do empregado.
(9) O Judiciário Trabalhista, analisando os limites do poder empresarial de regulamentar, disciplinar, dirigir e fiscalizar o empreendimento, no contexto da relação de emprego, tem assentado iterativo entendimento de que, em determinadas atividades, a “vistoria pessoal” e a “revista de bolsas, sacolas, mochilas” dos empregados, sem contato físico ou exposição pública, representa tão somente o exercício regular da faculdade empresarial de policiar e de fiscalizar o ambiente laboral.
(10) Desde sempre, o regular exercício do poder de polícia e de fiscalização do empregador depende de um critério de razoabilidade (proporcionalidade + necessidade) entre a conduta fiscalizatória do empregador e a natureza da atividade comercial/empresarial exercida, de modo a justificar os procedimentos de vistoria e de revista pessoal que visem à proteção e à conservação do empreendimento.
(11) Todavia, esse exercício regular de policiar e de fiscalizar o ambiente laboral encontra limites e fronteiras nos princípios constitucionais consagrados pela ordem jurídica pátria, especialmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana + do valor social do trabalho[2] e da função social da propriedade [3].
(12) O contrato de trabalho detém caráter intuitu personae, o que fundamenta sua existência nos pilares da boa-fé e da fidúcia recíproca entre empregador e empregado. A desconfiança injustificada do empregador desnatura a relação contratual.
(13) A prática empresarial de revista de empregados, por si só, em sua própria essência, ainda que justificada pela natureza particular de cada atividade empresarial, arranha esse liame de confiança inerente ao contrato de trabalho, criando um ambiente de trabalho moralmente insalubre.
(14) Sem qualquer contexto social-jurídico-profissional legitimadora, a prática empresarial de realizar revistas visuais em sacolas, bolsas, armários ou pertences, com a exigência de exibição de objetos pessoais, ofende o princípio constitucional da dignidade humana.
(15) Especificamente, uma revista física do empregado, por exemplo, somente se poderia considerar justificável e proporcional se (1) houvesse pactuação contratual expressa, (2) a natureza da atividade empresarial justificasse a ação fiscalizadora, em razão de prejuízo irreparável ao empregador ou à sociedade, (3) houvesse a anuência da entidade sindical representante da categoria, (4) houvesse ausência de contato físico.
(16) A fiscalização do patrimônio empresarial, ainda que necessária, deve ser executada dentro dos limites de razoabilidade que não ofendam a intimidade e a privacidade dos empregados.
(17) Uma revista coletiva e generalizada, sem quaisquer justificativas jurídicas ou comerciais graves, apenas sob o influxo de tentar coibir perdas e danos, provoca constrangimentos coletivos e representa uma prática colonizadora e escravizadora do empregado.
(18) A conduta empresarial de estender ilimitadamente o exercício do poder de fiscalização, instalando câmeras de vigilância, em todos os ambientes do estabelecimento, inclusive em banheiros e vestiários, constitui abuso do poder de disciplinar empresarial, configurando-se em ato ilícito, causador de dano moral passível de reparação, conforme prenunciam os artigos 186 e 927 do Código Civil[4], nos termos de lapidar jurisprudência do TRT da 10ª Região:
(1)
EMENTA: DANOS MORAIS. USO DE CÂMERAS FILMADORAS NOS ALOJAMENTOS DOS EMPREGADOS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE E PRIVACIDADE DOS EMPREGADOS. EXPOSIÇÃO PERANTE FISCAIS E SEGURANÇAS DO ESTABELECIMENTO. REVISTA DE BOLSAS E SACOLAS. INTIMIDADE. IDENTIDADE. AFRONTA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. Entre os elementos do discurso identitário, encontramos os objetos pessoais dos indivíduos, os quais, não poucas vezes, descrevem comportamentos, preferências, posições políticas, ou seja, as mais variadas particularidades dos sujeitos sociais. A identidade, também em sua dimensão manifesta pelo discurso social, pontuado e lastreado na coleção de objetos eleitos como forma distintiva de personalidade, deve ser considerada como merecedora da proteção constitucional à imagem íntima ou pública dos sujeitos, porquanto a dignidade da pessoa humana também encontra alicerce no respeito à alteridade e, por conseguinte, no direito ao sigilo. O uso de câmeras de filmadoras nos alojamentos dos empregados, agravado pela exposição dos trabalhadores durante a troca de roupas/uniformes, é flagrantemente violador da intimidade e privacidade dos homens e mulheres submetidos a tal tratamento. Também a vistoria de objetos particulares, pessoais dos empregados do réu revela-se interferência inapropriada do empregador na esfera íntima do empregado, pelo seu caráter abusivo, estando ultrapassados os limites admissíveis ao poder fiscalizador do empresário sobre os meios de produção colocados à disposição do empreendimento. Danos morais caracterizados e justificadores de indenização reparatória.” (Acórdão Processo Nº RO-0000610-58.2014.5.10.0006 Relator Desembargador - DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO Revisor Juiz - PAULO HENRIQUE BLAIR Recorrente Wal Mart Brasil Ltda Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP) Recorrido Alexandre Mesquita Laet Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB: 17510-N/DF)
(2)
EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÂMERAS NOS VESTIÁRIOS E BANHEIROS. Deve o reclamado indenizar o reclamante (CF, artigos 5º, inciso X e 7º, inciso XXVIII; CC, artigos 186 e 927), por dano moral, decorrente do constrangimento e humilhação a que foi submetido, uma vez comprovada a instalação de filmadora nos banheiros e vestiários da loja em que trabalhava, sendo chocantes e incontestes as imagens coligidas aos autos, que evidenciam, por si só, a violação dos direitos inerentes à intimidade e à privacidade do trabalhador, cabendo indenização (CF, art. 5º, X). Dúvidas não há do abalo psicológico decorrente da exposição pública da própria imagem, da violação da intimidade e da vida privada sofridas pelo empregado. Recurso da reclamada parcialmente conhecido e parcialmente provido. (Com ressalva de entendimento do Relator apenas no tocante ao quantum indenizatório, que mantinha o valor originário arbitrado na origem).” (Acórdão Processo Nº RO-0000075-08.2014.5.10.0014 Relator Desembargador - GRIJALBO FERNANDES COUTINHO Revisor Desembargadora - FLÁVIA SIMÕES FALCÃO Recorrente Wal Mart Brasil Ltda Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP) Recorrido Marcos Antonio Menezes Ferreira Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB: 17510-N/DF)
(3)
EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÂMARAS DE FILMAGEM NOS VESTIÁRIOS. Deve o reclamado indenizar a reclamante (CF, artigos 5º, inciso X e 7º, inciso XXVIII; CC, artigos 186 e 927) por dano moral, decorrente do constrangimento e humilhação a que foi submetida, por comprovada a instalação de filmadora nos vestiários, sendo chocantes e incontestes as imagens coligidas aos autos, capazes de evidenciar, por si só, a violação dos direitos inerentes à intimidade e à privacidade da trabalhadora, ficando mantida a indenização deferida na origem (Constituição da República, art. 5º, X). Recurso do reclamado conhecido e desprovido.” (Acórdão Processo Nº RO-0000735-32.2014.5.10.0004 Relator Desembargador - GRIJALBO FERNANDES COUTINHO Revisor Desembargadora - FLÁVIA SIMÕES FALCÃO Recorrente Wal Mart Brasil Ltda Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP) Recorrido Nelma de Souza Rocha Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB: 17510-N/DF)
(4)
EMENTA: (...) "DANOS MORAIS. CÂMERAS FILMADORAS EM VESTIÁRIOS. Comprovada a existência de câmeras de segurança que, devido à sua localização, permitia a observação das empregadas no momento da troca de roupas, impõe-se reconhecer a violação da intimidade da pessoa, capaz de gerar o dano moral pretendido." (Processo nº 00858-2013-003-10-RO, Rel. Desembargador Ribamar Lima Junior) (Acórdão Processo Nº RO-0001245-88.2013.5.10.0001, Relator Desembargador – RICARDO ALENCAR MACHADO, Revisor Juiz - MÁRCIO ROBERTO ANDRADE BRITO, Recorrente Joao Marcos da Conceicao Silva, Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB:17510-N/DF), Recorrido Wal Mart Brasil Ltda, Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP)
(5)
EMENTA: (...0 4. DANO MORAL. CÂMERAS FILMADORAS NO VESTIÁRIO FEMININO. O empregador é detentor de amplo direito e justificada legitimidade para a proteção do seu patrimônio, podendo utilizar, inclusive, equipamentos tecnológicos para isso. Contudo, é inconcebível que a proteção patrimonial viole a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra dos trabalhadores. 5. Recurso ordinário conhecido e provido parcialmente. (Acórdão Processo Nº RO-0001259-72.2013.5.10.0001, Relator Desembargador – BRASILINO SANTOS RAMOS, Revisor Desembargadora - ELKE DORIS JUST, Recorrente Daniele de Lima Fernandes, Advogado Carlos André Lopes Araújo(OAB:17510-N/DF), Recorrido Wal Mart Brasil Ltda, Advogado Maria Helena Villela Autuori Rosa(OAB: 102684-N/SP)
[1] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
[2] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;(...)”
[3] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade;”
[4] “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
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