Aplicação do Artigo 455 do CPC ao Processo do Trabalho
(1) A interpretação da referida norma e sua aplicação ao processo do trabalho passa, em primeiro lugar, pela exegese do artigo 15 do CPC que determina a aplicação supletiva e subsidiária das normas processuais do novo códex aos processos trabalhistas.
“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
(2) A leitura do preceito processual denuncia a existência de um primeiro requisito – a omissão de norma legal específica. Sobre o mesmo tema dispõe o artigo 769 da CLT:
“ Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
(3) Sob a ótica da melhor doutrina e também do TST (Instrução Normativa 39/2016), o artigo 15 do CPC não derrogou a norma processual contida no artigo 769 da CLT (aplicação supletiva da norma processual civil compatível):
“Em primeiro lugar, o art.15 não tem eficácia derrogante do art.769, da CLT, sabendo-se que esta, na parte processual, constitui norma específica para solucionar os conflitos de interesses que são da competência constitucional da Justiça do Trabalho (LINDB, art2º,§§1º e 2º).” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Comentário ao Novo Código de processo Civil sob a Perspectiva do Processo do Trabalho: (Lei 13.105, 16 de março de 2015). São Paulo: LTr, 2015, página 13)
(4) O segundo requisito de aplicabilidade subsidiária/supletiva da norma processual civil ao processo de trabalho é a compatibilidade sistemática e ideológica com as normas processuais trabalhistas específicas e vigentes e com os princípios fundamentais e históricos que embasam o processo de trabalho:
“Destarte, não basta que o processo do trabalho seja omisso em relação a determinada tema; a adoção da norma do processo civil somente será lícita se não for incompatível com o processo do trabalho (CLT, art.769) - não apenas do ponto de vista das disposições deste, mas de seus princípios essenciais.” (Id, Ibidem, páginas 13 -14)
(5) O artigo 1º da Instrução Normativa 39/2016 consagra exatamente o entendimento de que tanto a aplicação supletiva quanto à subsidiária das normas processuais civilistas ao processo de trabalho exigem a presença de dois requisitos específicos: a omissão e a compatibilidade sistêmica (adequação às normas e aos princípios de direito processual do trabalho).
“Art. 1° Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015.”
(6) O TRT da 10ª Região, de igual sorte, consagrou a exigência do binômio omissão – compatibilidade para aplicação supletiva/subsidiária das normas processuais civis ao processo do trabalho, conforme se infere de seu Enunciado 1:
Enunciado 1. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA E SUPLETIVA DO CPC. 1. O art. 769, da CLT continua em vigor e nãofoi revogado pelo art. 15do CPC. A aplicação subsidiária ou supletiva deste novo diploma processual somente se faz possível se houver compatibilidade com os valores e as garantias consagrados na Constituição Federal, bem como com as normas e os princípios próprios do processo do trabalho, vedado, em qualquer situação, o retrocesso do sistema processual. 2. Entende-se por omissão a omissão total, parcial, axiológica ou ontológica. Assim, serão aplicáveis as normas compatíveis do CPC quando a legislação processual trabalhista não regular a matéria, regulá-la insuficientemente ou se mostrar menos efetiva. 3. Por força do disposto no art. 1.046, § 4º, do CPC, aplicam-se suas disposições correlatas às regras do CPC de 1973 expressamente referidas na legislação processual trabalhista.
(7) Num breve intervalo, é preciso lembrar que a aplicação supletiva ocorre quando há norma expressa sobre o tema/questão processual, mas insuficiente para execução integral de seus objetivos, enquanto a aplicação subsidiária decorre da ausência de norma específica sobre o tema/questão.
(8) O artigo 455 do CPC trata da intimação das testemunhas para oitiva em audiência de instrução:
“ Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
§ 1o A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.
§ 2o A parte pode comprometer-se a levar a testemunha à audiência, independentemente da intimação de que trata o § 1o, presumindo-se, caso a testemunha não compareça, que a parte desistiu de sua inquirição.
§ 3o A inércia na realização da intimação a que se refere o § 1o importa desistência da inquirição da testemunha.
§ 4o A intimação será feita pela via judicial quando:
I - for frustrada a intimação prevista no § 1o deste artigo;
II - sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz;
III - figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir;
IV - a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;
V - a testemunha for uma daquelas previstas no art. 454.
§ 5o A testemunha que, intimada na forma do § 1o ou do § 4o, deixar de comparecer sem motivo justificado será conduzida e responderá pelas despesas do adiamento.”
(9) O artigo 825 da CLT trata da intimação das testemunhas para oitiva em audiência de instrução, determinando, como regra geral, o comparecimento espontâneo das testemunhas independentemente de intimação e, como exceção, o comparecimento por intimação em caso de não comparecimento espontâneo após convite da parte.
“ Art. 825 - As testemunhas comparecerão a audiência independentemente de notificação ou intimação.
Parágrafo único - As que não comparecerem serão intimadas, ex officio ou a requerimento da parte, ficando sujeitas a condução coercitiva, além das penalidades do art. 730, caso, sem motivo justificado, não atendam à intimação.”
(10) Em simples interpretação aritmética, percebe-se que o artigo 455 do CPC somente poderia ser aplicado ao processo do trabalho de forma supletiva, em razão da prevalência normativa do artigo 825 da CLT.
(11) Mas não nos parece ser esse o entendimento do Judiciário Trabalhista que tem sofrido severa influência doutrinária tendente a flexibilizar as normas processuais trabalhistas para adequá-las aos preceitos do código de processo civil.
(12) Em verdade, em nome do princípio da celeridade e da bandeira da economia processual, a fim de evitar incontáveis adiamentos das audiências pelas partes e coibir chicanas e ardis processuais, em flagrante prejuízo à duração razoável do processo, a regra do artigo 825 da CLT tem sido, historicamente superada, pelo Judiciário Trabalhista, com a fixação, na audiência inaugural (no caso de fracionamento da audiência) ou na notificação citatória da audiência UNA, de prazo preclusivo para arrolamento das testemunhas:
Acórdão
Processo Nº RO-0000933-85.2013.5.10.0010
Relator Juiz - MAURO SANTOS DE OLIVEIRA GOES
Revisor Desembargador – RICARDO ALENCAR MACHADO
Recorrente Kesiane de Sousa Neves
Advogado Raimundo Bezerra de Farias(OAB:2174-N/DF)
Recorrente Interclasse Corretora de Seguros Ltda- Epp
Advogado Paulo Roberto Ivo da Silva(OAB: 6545-N/DF)
Recorrido Os Mesmos
EMENTA: NULIDADE DO JULGADO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE TESTEMUNHA. CERCEIO DO DIREITO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não há cerceio do direito de defesa quando a parte voluntariamente na audiência inaugural assume compromisso de trazer espontaneamente suas testemunhas, sob pena de preclusão, vindo a requerer posteriormente intimação delas, sem apontar motivos para quebra do compromisso assumido outrora, máxime quando a audiência de instrução foi realizada normalmente, com colheita da prova oral e oitiva de parte das testemunhas objeto do requerimento de intimação recusado, vindo somente ao final consignar protestos. Competia sem dúvida à parte, na abertura dos trabalhos, requerer adiamento da audiência em face da ausência das testemunhas que pretendia ouvir e não teve atendido pelo juiz postulação de intimação, com a devida indicação da motivação para a quebra do compromisso assumido. Recursos conhecidos e provido em parte o da reclamada.
“ ROL DE TESTEMUNHAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRECLUSÃO. 1. Se, devidamente advertida, a reclamada comparece à audiência inaugural sem suas testemunhas e sem apresentar a relação daquelas que pretendia fossem ouvidas e, tampouco, apresenta justificativa para tal omissão, não constitui cerceamento de defesa a negativa de concessão de novo prazo para arrolamento das testemunhas. 2. O processo é uma seqüência lógica e concatenada de atos que se desenvolvem pela via do devido processo legal, garantindo-se às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa com vistas à obtenção de um resultado técnico, transparente e, sobretudo, justo. É um caminhar para frente e não instrumento em função dos interesses e conveniências das partes, haja vista a relevância do interesse público de que se reveste a função jurisdicional. Portanto, não há lugar para displicência e menosprezo dos litigantes às regras processuais estabelecidas pelo Juízo na condução do feito. Preliminar de nulidade que se rejeita. TRT - 01126-2005-008-10-00-0 - RO ACÓRDÃO 2ª TURMA/2006, RELATORA JUÍZA MARIA PIEDADE BUENO TEIXEIRA, REVISOR JUIZ BRASILINO SANTOS RAMOS, RECORRENTE Stacatto Comércio de Móveis Ltda., ADVOGADO Paulo Renan Pereira Lopes, RECORRENTE Elaine Luce Ivo da Silva (Recurso Adesivo), ADVOGADO Paulo Roberto Ivo da Silva, RECORRIDO Os Mesmos, ORIGEM 08ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF, JUIZ(A) (URGEL RIBEIRO PEREIRA LOPES)
(13) Trata-se de desnaturação do processo do trabalho por incidência integral do processo civil. O fenômeno é bastante conhecido dos processualistas do trabalho, que, inclusive, profetizam a extinção do processo do trabalho em decorrência de sua “civilização processual”:
“Temos fundado receio de que, se não for rigorosamente observado o requisito da compatibilidade (e, antes, o da omissão; e, em certas situações, o da necessidade), o art.15 do CPC possa converter-se, na prática, em uma espécie de mecanismo de destruição não só do art769 da CLT, mas de todo o processo do trabalho, pois quanto mais as disposições do CPC forem aplicadas ao processo do trabalho, tanto mais o sistema deste estará sob risco de esgarçamento, de perda de sua identidade ideológica e, em consequência, de sua extinção.” (Id, Ibidem, páginas 13 -14)
(14) O TST, por meio da citada Instrução Normativa 39/2016, não se pronunciou acerca da compatibilidade ou incompatibilidade do artigo 455 do NCPC ao processo do trabalho.
(15) O TRT da 10ª Região, por sua vez, editou o Enunciado 23, consagrando a compatibilidade do artigo 455 do CPC ao processo do trabalho:
Enunciado 23. INTIMAÇÃO DE TESTEMUNHA PELO ADVOGADO. A regra do art. 455 do CPC é compatível e aplica-se ao processo do trabalho, cabendo ao advogado da parte, também no rito ordinário e nos procedimentos especiais, informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
(16) Pois bem, superada a questão de incidência da norma, com o reconhecimento de sua aplicabilidade compatível pelo Judiciário Trabalhista, impõe-se a interpretação de seus efeitos e consequências.
(17) Primeiro, houve uma inversão da órbita do encargo processual de notificação da testemunha – o ato deixa de ser praticado pelo órgão jurisdicional passando à esfera da reponsabilidade processual do advogado da parte interessada:
“a cientificação da audiência deixou de constituir ato praticado pelo órgão jurisdicional, convertendo-se em encargo do advogado.” (Id, Ibidem, página 48).
(18) Segundo, de acordo com dicção legal a faculdade processual do arrolamento testemunhal se subdivide em informação ou intimação:
“ Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
(19) A informação à testemunha, a meu ver, é procedimento simplificado e informal pelo qual o advogado da parte interessada na oitiva dá ciência à testemunha, por qualquer meio que possa ser comprovado em juízo (email + mensagem eletrônica, whatsapp + messenger + redes sociais), do dia, da hora e do local da audiência a que deve comparecer, que, obrigatoriamente, deve ser anexada aos autos até três dias antes da audiência.
(20) A intimação da testemunha, no entanto, é procedimento simplificado formal pelo qual o advogado da parte interessada na oitiva dá ciência à testemunha, por meio de carta com aviso de recebimento, que, obrigatoriamente, deve ser anexada aos autos até três dias antes da audiência, com cópia da intimação e do comprovante de recebimento:
§ 1o A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.
(21) Se não houver essa flexibilização da informação à testemunha, com a prevalência da regra exclusiva da notificação testemunhal – em flagrante retrocesso do sistema processual com a cartorização de ato processual – eu, por minha parte, digo que abrirei franquias dos correios nas grandes edificações, com vários escritórios de advocacia para colher, diariamente, milhares de reais que serão gastos para movimentação da máquina judiciária.
(22) Acaso assentada a exclusividade da hipótese de intimação formal da testemunha por carta coma viso de recebimento a cargo doa advogado da parte, três perguntas saltam aos olhos:
A - Considerando que, notoriamente, a advocacia trabalhista sustenta seus honorários com base no êxito da demanda, quem deve suportar economicamente os custos desta operação – a parte ou escritório?
B - Considerando a estrutura e a dinâmica do processo do trabalho, em que momento o arrolamento das testemunhas – leia-se a indicação das testemunhas e a qualificação das mesmas - deve ser realizado?
C - Como estruturar, dentro da ordem administrativa de um escritório de advocacia, a rotina de intimação das testemunhas arroladas pela parte, definindo-se quem, quando e como se executará a medida?
(23) Resposta A - A advocacia trabalhista se impõe um desafio heroico de, pela primeira vez em sua história, passar a cobrar valores de custas processuais, ou embutir nos honorários ad exitum os custos da operação, que doravante passarão a ser cada vez mais expressivos.
(24) Resposta B - Certamente, o arrolamento das testemunhas deve ser realizado, no momento mesmo, da entrevista para formatação da petição inicial; primeiro, no intuito de dar segurança à medida, sem prazos exíguos, evitando deixar o arrolamento para a audiência inaugural; segundo, uma vez permitida juridicamente a informação à testemunha, conceder à própria parte a tarefa de notificar a testemunha; terceiro, permitir, atempo, a juntada do arrolamento aos autos antes de três dias da audiência (mais um prazo a ser agendado);
(25) Resposta C – Como dita a norma, trata-se de ofício reservado ao advogado e não à paralegal. Outrossim, o momento adequado se revelará de acordo com o tipo de procedimento em que se concretiza a demanda e a forma da audiência adotada pelo juízo da causa. Considerando o rito ordinário, se a audiência for UNA, o prazo administrativo para informação/intimação da testemunha se inicia com o próprio despacho de notificação e se exaure até três dias antes da audiência. No caso de fracionamento da audiência, o prazo se inicial no término da audiência inaugural e se exaure até três dias antes da audiência de instrução.
(26) Machado de Assis, certa feita, disse uma verdade processual inexorável – “prazos largos são difíceis de subscrever”. Neste sentido, mesmo com impecável precisão, não adianta proceder a informação/intimação da testemunha acima de prazos superiores a um mês, sem se estabelecer uma rotina administrativa competente para lembrar a testemunha de seu compromisso. Certamente, apesar de intimada regularmente intimada, em razão do tempo e da memória (que chegam a transformar todo amor em quase nada) ela não comparecerá à audiência, gerando novo adiamento para, desta feita, ser intimada oficialmente pelo Judiciário.
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